Eu não estava nua, mas ao me ver sem escudo ele disse:
- Pare de me olhar com essa cara de rua molhada.
Não havia objeção para uma feição de rua molhada, então eu o fitei só por mais alguns momentos, que eram os que me cabiam. Não havia também cabimento para olhares desnudos além da sacada naquela noite muda. Expressões também se fazem em ossos e terminações nervosas.
Fiquei nervosa e parei um segundo para analisar o meu estado: ele analisava o asfalto brilhante diante da eletricidade que se desfazia em fios e virava lâmpada em poste. Dentro e fora eram nossos estados, portanto.
Ele descobriu o meu pensamento sem lençóis e disse:
- Que poética mais insolente a sua.
Ele não me destruiu mas arrancou sem dentes, lábios ou língua um beijo de dentro do meu ventre-cérebro, e senti uma dor pouco pungente.
- Eu nunca te disse... , eu disse.
Mas ele não ouviu e continuou brincando de rir dos meus pés despreparados para correr.
E então eu parei de auscultar ele pois cada ladrilho da sacada chuvosa emitia uma frase diferente sobre como eu deveria proceder, e num ímpeto de revolta crua eu apaguei o cigarro sobre aquele um que me dizia "descrave as unhas do passado".
Ele disse:
- Meu pé era o debaixo.
Mas eu não o ouvi, e num relance eu o fitei e ele virou pingo d'água de rua molhada no asfalto poético e insolente. Eu disse.
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ResponderExcluirPor favor?
Se esta rua, se esta rua, fosse minha...
ResponderExcluireu mandava, eu mandava ladrilhar...