terça-feira, 21 de setembro de 2010

Sigo nessa dança.

O que faz de um tango um tango não são as letras lamuriosas. O que faz de um tango um tango não é Gardel morto que canta cada vez melhor. O que faz de um tango um tango não são os passos ensaiados na tradição. O que faz de um tango um tango não é a orquestra com o ar cansado de quem tudo já viu. O que faz de um tango um tango não são as pernas altas da dançarina, calçadas em meias pretas. Não é seu cabelo preso, ora com flor, ora com fita. O que faz de um tango um tango não é o chapéu antigo do dançarino. Não são os seus sapatos lustrosos. Não é seu terno de risca-de-giz. Não é seu lenço dobrado no bolso da lapela. O que faz de um tango um tango não é Buenos Aires. Não é qualquer geografia. O tango não está no mundo das latitudes, das longitudes, das cartografias, dos guias turísticos.
O que faz de um tango um tango é a atração e repulsa. É a tentação e o medo. É o afeto e a raiva. O que faz de um tango um tango é ela seguindo na mesma direção dele, e ele seguindo na mesma direção dela, até que um tenta fugir e o outro tenta impedir, numa alternância de fugas que se querem e não se querem. O que faz de um tango um tango é a dor de um e de outro transformada em coreografia simétrica. O que faz de um tango um tango é o encontro que se desencontra e se reencontra. O que faz de um tango um tango são os volteios do amor que bebe no prazer e na fúria. Os volteios do amor que se amorna e logo torna a incandescer. O que faz de um tango um tango é o amor que, na iminência de um final que se pronuncia infeliz, acha o final feliz. Porque nunca em um tango que é tango os dançarinos terminam separados, descolados, deslocados.
O que faz de um tango um tango sou eu dentro de você na carne e você dentro de mim na alma, depois do último acorde, depois do último aplauso, depois da última lágrima, depois do último gozo. O que faz de um tango um tango é a música que se quer silêncio. O silêncio dos amantes.

Mario Sabino

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Título:...............(Se possível, dado por você)

Ele avança dois passos

E olha pra cima

Debaixo percebe que em cima está diferente

E a este evento

Ele chamou: Arte



Tudo era suficientemente novo para que ele pudesse questionar o que para ele era inquestionável diante das experiências vividas até ali que é onde ele quis sempre estar atento a todas as transformações que para ele não eram somente nomes



Num surto de ansiedade

A cabeça ele coçou

E mais uma vez tentou olhar para cima/ Que ainda estava diferente/ Ainda chamava de arte



?


Então decidiu compartilhar a sua descoberta

com todos aqueles que já haviam dito

que haviam descoberto o que ele decidira

compartilhar e todas essas questões ele projetou

didaticamente na parede e no papel e todos

aqueles que já haviam dito que haviam

descoberto que ele decidira compartilhar

amassaram suas projeções e continuaram a fazer o que haviam dito que haviam decoberto



E mais uma vez

Num surto de ansiedade

A cabeça ele coçou


Ele olha para cima

E percebe que o cima sempre estará diferente

Do cima que ele olhava antes

E percebe também

Que o cima diferente para ele não é igual para aqueles que já haviam dito que era diferente


Então decidiu não mais compartilhar a sua descoberta com todos aqueles que já haviam dito que haviam descoberto o que ele não decidira mais compartilhar


E depois dos dois passos avançados/ Do cima não mais compartilhado


Num surto de ansiedade

A cabeça ele coçou

E a esse evento

Ele também chamou: Arte



quinta-feira, 2 de setembro de 2010

(este não é um título direcionador de olhares.)

- Olá, posso trabalhar no seu discurso?

- E quanto eu te pagaria?

- O suficiente pra que eu possa abandonar o remo e mergulhar nessa mentira.

- Tudo bem, mas eu não penso mais em você.

- E se você chorasse?

- Tampouco. Há reservatórios esperando pelo blues mais blue escorrer, e no entanto eu ainda não consegui parar de dançar.

- Nossa. Eu não esperava por isso; bastava uma resposta constrangedora...

- Para mim ou pra você?

- Tanto faz, contanto que alguém se machuque e vá logo pra casa.

- Fiz o melhor que pude.

- Você está sonhando...

- Isso eu não posso. Se ao menos meus sapatos parassem de dançar...

- Ai!

- O que foi?

- Um poema.

- E daí?

- Você não percebe? Eu acabo de pisar num poema amassado e...

- Sim, mas eu não pude imaginar o quanto isso seria pesado pra você.

- POR mim.

- Que seja. De qualquer maneira, me desculpe, mas o poema vai continuar aí. Não é meu.

- Não importa. A dor do tombo é maior do que a vontade de rir da testemunha. Vou embora.

- Não me surpreende.

- Não te previ.

- Não te interessa.

- Não me abandone.

- Não me subestime.

- Não me surpreenda.

- Não se esqueça.

- Não se interesse.

- Ok. Eu venci.

- Eu também.