segunda-feira, 18 de março de 2013

The Inner Light

Estou sem comer desde que acordei. Talvez isso explique as mãos trêmulas e a autopiedade. Mas não o sacrifício (se é que há).

Desconheço a necessidade, mas peço licença.
Antropocentrismo a caminho.
Tem como eu ser a minha religião?

A minha religião é o que eu faço com o que deixo de fazer.
Chove, e a minha religião se molha.
No que concerne ao que a minha memória pode me oferecer, sempre acreditei que a minha religião fosse tudo aquilo em que eu acreditasse e experienciasse em vida.

-meu coração de menina me dizia para obedecer mamãe papai vovós e seguir o treinamento espiritual proporcionado pela tradição - contudo sempre carregando ao peito o mais sagrado e valioso amuleto protetor: o ponto de interrogação-

A minha espiritualidade é terrena e eu só soube que isso era possível quando foi isso que eu senti.
Eu acredito no que atravessa o tempo e permanece fazendo algum sentido.

[As pessoas nunca vão parar de escrever para que as próximas pessoas compreendam que porra é essa que acontece agora e comecem a escrever sobre o seu tempo para que venham os próximos leitores] - esse é um dogma da minha religião. Não conheço outros.

A minha religião surgiu em 1989. Porém, graças ao advento da tecnologia e à educação privada, busca inspiração e apropria-se de fundamentos históricos, e constantemente renova o seu código.
Não possui espaço físico fixo, muito menos angaria fundos - ela é o próprio fundo de buraco nenhum.
Seu sacerdócio sequer imagina fazer parte da minha religião e provavelmente nem religião alguns tenham.

Mas já pode até guardar esse sorriso quimérico; a minha religião também é corrupta. Ela ocasionalmente me trai e decepciona. Só não alicia fiéis porque não confia neles e detesta saber que a popularidade desencadeia na soberania doentia e no etnocentrismo.

Acredite, ela é só mais uma; basta olhar em volta.

A minha religião é um epítome da arte na vida.

Agora posso jantar.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Sobre Qualquer Clausura Voluntária

Quando criança, eu me escondia atrás das pernas da minha mãe.
A minha mãe que é linda e vaidosa. Ficava observando a vida e as pessoas por detrás daquela barreira humana, me protegia dos olhares alheios ao mesmo tempo em que os buscava desesperadamente e era como um teste, uma experiência: quando é que algum desses olhares perdidos encontraria o meu?
Aquele era o meu lugar. Aquele me parecia o esconderijo mais óbvio, e ainda assim ninguém me encontrava.
Eu vi o que as pessoas faziam, testemunhei posturas, ações, atitudes, erros (eu buscava muito pelos "erros"), e me punha no lugar de cada personagem observado. Vibrava ao constatar que eu faria melhor. Invejava os que eu sabia que eram melhores e mais admiráveis do que eu, e admirava. Eu, por minha vez, quanto a mim, bem, eu, eu nunca fazia nada.
Como saber das minhas fraquezas, potenciais e capacidades através tão somente dos meus próprios olhos? Como saber que eu poderia ocupar aquele outro lugar sem que tivesse saído de onde estava? Sem ainda ter me livrado da barra da saia de mamãe?
E no entanto não admito que alguém, do contrário, ocupe esse lugar na minha vida. E não cabe a mim discorrer sobre o que era para a minha mãe ter esse lugar ocupado por mim.

Após uma adolescência, um amontoado de anos de revoltas e reviravoltas e revivals e remixes, claramente a repetição insiste e, para que permanecesse, sofreu adaptações. Não é isso o que dizem ser evolução? Continuo a ocupar traseiras de pernas e barras de saia. Pobres dos meus amigos.
Não me mostro totalmente (não quero revelar o que ainda não me foi revelado completamente) e não sou inteira se não tenho meu óbvio esconderijo por perto. Meus olhos procuram, ainda atônitos e dissimuladamente desesperados, por modelos de erros e acertos para que eu nunca perca, caso queira sair à revelia.
Meus olhos buscam por aquilo que eu acredito que ninguém vê. Há quem queira batizar isso de 'mistérios da noite' (no caso, eu). Que rosto há por trás daquela barba? O que ronda pelo interior daquele crânio revestido por esse longo cobertor capilar? O que temem esses olhos perdidos e obscurecidos pelo canto mais mal-iluminado da festa? Canto esse que também pode ser o esconderijo mais óbvio.
Meus olhos querem perceber as pernas que tampam esses sujeitos. Talvez eu queira ser a barra de saia que eles precisam; eu sei acobertar um grande potencial. Eu quero reconhecer o promissor.
Mas eu nunca fiz nada. E estou eu mesma acobertada por uma série de pernas, cabelos, barbas, olhos e saias e obscuridades.

Quando criança, numa festinha de aniversário da minha prima, um coleguinha dela levantou abruptamente a saia do meu vestido no meio do salão. Instintivamente eu o empurrei com tamanha brutalidade que o garoto caiu sentado e foi deslizando e derrubando as mesas e cadeiras de plástico em seu trajeto. Strike. Saí correndo para chorar no meu cantinho, lá atrás das pernas da minha mãe. Chorei de vergonha.
Pensei no ocorrido e constatei que pouquíssimas pessoas teriam visto a minha calcinha; porém, a festa toda parou para ver o estrago que eu fizera com o garoto e com a configuração do salão. Fechei os olhos e a vergonha se multiplicou inimaginavelmente, e me pus a chorar ainda mais forte e mais doído.

Há cerca de dois anos, numa viagem com a minha Cia., estávamos todos caminhando quando um dos meus companheiros subitamente levantou, mais uma vez, a saia do meu vestido ao atravessarmos a rua no centro da cidade.
Não fechei os olhos, não chorei, não empurrei ninguém, e minha reação foi uma previsível histeria raivosa que arrancou risos também histéricos dos meus colegas. Engoli o ódio, mas este entalou no meio da traqueia; fechei a cara (não os olhos) e pensei, pensei muito nos estragos que eu poderia causar. Não fiz nada.

Pelo visto, não estou protegida nem mesmo por debaixo da minha própria saia.
As barbas que momentaneamente possuo me ralam o rosto e me machucam com a aspereza.
Os olhos perdidos nunca me encontram até que eu pare de procurá-los com os meus.
Estou do outro lado do oceano e não tenho um esconderijo menor que esse apartamento, essa cidade e esse país.
Hoje me olho demasiadamente no espelho.
Não vejo pernas.