quinta-feira, 22 de abril de 2010

Simples assim.

Felipe, de 6 anos, chega afobado à sala de aula e convoca uma reunião com seus colegas de classe e com sua professora: "Vocês precisam me ajudar! Pode ser?" Sem ouvir a resposta afirmativa dos demais, começa a explicar seu problema: "Gente, meu aniversário é na semana que vem e queria muito que minha irmã viesse, mas como ela mora em Londres, talvez ela não venha por causa da fumaça do vulcão. Então, tenho um plano: quero todo mundo na minha casa amanhã pra gente construir umas placas de metais beeeemmm grandes! Aí, a gente chama uns helicópteros que vão levar essas placas até a boca do vulcão e tampá-lo...Depois que minha irmã chegar no Brasil, ele pode ser destampado e aí pode soltar quantas fumaças ele quiser!"

Alguns de seus colegas começam a rir e a professora questiona o por quê das risadas. Uma das meninas explica que esse plano é "quase impossível, afinal não é tão fácil arranjar helicópteros. Depois de alguns segundos, logo surge mais um plano infalível, dessa vez dito por Isabel, também de 6 anos: "É simples! A gente pode ir no carro da minha mãe!"

(Ao lado deles, cada vez mais, resignifico minha vida).


segunda-feira, 12 de abril de 2010

Desse jeito.

Every time we say goodbye, I die a little...

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Reminiscências: Pessoas e Lugares

BROOKLYN: ruas arborizadas. A ponte. Igrejas e cemitérios por todo lado. Além de lojas de doces. Um garotinho de idade ajuda um senhor a atravessar a rua. O velho sorri e esvazia seu cachimbo na cabeça do guri. O menino corre chorando para casa. (...) Um calor infernal desce sobre o bairro. Os cidadãos colocam as cadeiras na calçada e sentam-se para conversar. De repente, começa a nevar. NINGUÉM SE ENTENDE. Um vendedor ambulante oferece rosquinhas quentes. Soltam-lhe os cachorros em cima e ele é obrigado a refugiar-se numa árvore. Infelizmente para ele, há mais cachorros à sua espera no alto da árvore.


BAÍA DE SHEEPSHEAD: um pescador exibe, rindo orgulhosamente, a lagosta que acabou de capturar. A lagosta crava as garras em seu nariz. O pescador pára de rir. Seus amigos puxam-no para um lado, enquanto os amigos da lagosta puxam do outro. NINGUÉM SE ENTENDE. O sol se põe. Estão nisso até agora.


NEW ORLEANS: Uma banda de jazz toca um tristíssimo blues sob a chuva num cemitério local enquanto alguém é enterrado. Terminado o sepultamento, a banda passa a tocar hinos religiosos e começa a descer em direção à cidade. No meio do caminho, descobre-se que haviam enterrado o homem errado. E, o que é pior, um nem conhecia o outro. A pessoa que tinha sido enterrada não estava morta, sequer doente - na realidade, limitava-se a cantar junto com a multidão. Todos voltam ao cemitério e exumam o pobre homem, o qual ameaça processá-los, embora estes lhe prometam mandar o seu terno para a tinturaria e pagar a conta. Entrementes, ninguém sabe quem realmente morreu. A banda continua a tocar enquanto cada um dos presentes é enterrado de cada vez, na expectativa de que o morto será aquele que protestar menos. [NINGUÉM SE ENTENDE.] Logo se torna aparente que ninguém ali está morto, mas agora já é tarde demais para se conseguir um corpo devido à proximidade dos feriados.


Woody Allen

[Um beijo para Woody e as nossas vozes]

quinta-feira, 1 de abril de 2010

O Abridor de Latas



Pela primeira vez no Brasil um conto escrito inteiramente em câmera lenta.

Quando esta história se inicia já se passaram quinhentos anos, tal a lentidão com que ela é narrada. Estão sentadas à beira de uma estrada três tartarugas jovens, com 800 anos cada uma, uma tartaruga velha com 1.200 anos, e uma tartaruga bem pequenininha ainda, com apenas 85 anos. As cinco tartarugas estão sentadas, dizia eu. E dizia-o muito bem pois elas estão sentadas mesmo. Vinte e oito anos depois do começo desta história a tartaruga mais velha abriu a boca e disse:

- Que tal se fizéssemos alguma coisa para quebrar a monotonia dessa vida?

- Formidável - disse a tartaruguinha mais nova 12 depois - vamos fazer um pique-nique?

Vinte e cinco anos depois as tartarugas se decidiram a realizar o pique-nique. Quarenta anos depois, tendo comprado algumas dezenas de latas de sardinha e várias dúzias de refrigerante, elas partiram. Oitenta anos depois chegaram a um lugar mais ou menos aconselhável para um pique-nique.

- Ah - disse a tartaruguinha, 8 anos depois - excelente local este!

Sete anos depois todas as tartarugas tinham concordado. Quinze anos se passaram e, rapidamente elas tinham arrumado tudo para o convescote. Mas, súbito, três anos depois, elas perceberam que faltava o abridor de latas para as sardinhas.

Discutiram e, ao fim de vinte anos, chegaram à conclusão de que a tartaruga menor devia ir buscar o abridor de latas.

- Está bem - concordou a tartaruguinha três anos depois - mas só vou se vocês prometerem que não tocam em nada enquanto eu não voltar.

Dois anos depois as tartarugas concordaram imediatamente que não tocariam em nada, nem no pão nem nos doces. E a tartaruguinha partiu.

Passaram-se cinqüenta anos e a tartaruga não apareceu. As outras continuavam esperando. Mais 17 anos e nada. Mais 8 anos e nada ainda. Afinal uma das tartaruguinhas murmurou:

- Ela está demorando muito. Vamos comer alguma coisa enquanto ela não vem?

As outras concordaram, rapidamente, dois anos depois. E esperaram mais 17 anos. Aí outra tartaruga disse:

- Já estou com muita fome. Vamos comer só um pedacinho de doce que ela nem notará.

As outras tartarugas hesitaram um pouco mas, 15 anos depois, acharam que deviam esperar pela outra. E se passou mais um século nessa espera. Afinal a tartaruga mais velha não pôde mesmo e disse:

- Ora, vamos comer mesmo só uns docinhos enquanto ela não vem.

Como um raio as tartarugas caíram sobre os doces seis meses depois. E justamente quando iam morder o doce ouviram um barulho no mato por detrás delas e a tartaruguinha mais jovem apareceu:

- Ah, murmurou ela - eu sabia, eu sabia que vocês não cumpririam o prometido e por isso fiquei escondida atrás da árvore. Agora não vou buscar mais o abridor, pronto!

Fim (30 anos depois)


Millôr Fernandes