segunda-feira, 4 de junho de 2012

QUASECONTO INACABADO (1º de muitos)


Na sala, naquela mesma sala instável, depósito de amplificadores e preguiças, entraram os quatro rindo muito, mãos dadas com a noite. Começava ali no cômodo quadrilátero uma dinâmica naturalmente rítmica; um quatro-por-quatro - compasso óbvio, mas unicamente rico e versátil - (e) Um (e) dois (e) três (e) quatro.
(e) Uma. (e) Aquela. (e) Aquele. (e) Ela. Uma está sentada num sofá e opina, Aquela se levanta e contrargumenta o que diz Aquele, que dedilha alguma coisa no violão, e Ela, que está ao seu lado, toma o violão d’Aquele e não toca alto.
A Gorda parecia bem. Tremia um pouco com o frio, mas recebera aos quatro carinhosamente e suportou os abraços e apertões.

A casa soava como uma festa bem melhor do que aquela à qual iriam mais tarde. O quarteto parecia se multiplicar com o entusiasmo que vinha simplesmente daquela união e da vontade de viver uma noite menos ordinária. Aquele sentia-se acariciado pelos sorrisos e gargalhadas das três, que, já numa alegria ébria, se queixavam do frio envoltas por uma elegância quase desconhecida, e ouviam as queixas d’Aquele como suas falsas irmãs. Seus pensamentos, porém, voavam pela janela e vazavam para fora em lugares totalmente distintos. Como sempre. Não que aquele encontro estivesse longe de ser real; é que sempre existe a possibilidade de um outro. Naquela mesma sala instável.

Ela, que sempre pareceu mais distante, estava próxima do momento presente tentando recolher seus pensamentos defenestrados para dentro da sala. Acabou puxando-os com tanta força que eles atravessaram a sala, o corredor, e caíram na desordem do quarto do fundo. O tempo ficara monossilábico como suas próprias frases.
Num repente, Ela o pressentiu tactilmente, sabia que Ele viria e que o veria e então perdeu parte de sua naturalidade. Como sempre. Seus pensamentos correm, atônitos, do quarto ao portão.
Ela se cala em protesto à chegada d’Ele. E, independente de qualquer crença ou ausência de uma, Ele sobrenaturalmente entra naquela mesma sala, Ele, a passos silenciosos, tal qual uma aparição branca, branca e magra, oh sim, ali estava Ele. De olhos vagos, Ele chega numa aflição quase maior que o disfarce que Ela usava para cobrir o brilho nos olhos.
Naquele momento, naquela mesma sala, três pessoas mais a Gorda assistiam ao desencontro, ao desconforto, ao descompasso de duas respirações. Visto do lado de fora da janela, aquilo tudo era minúsculo. Como sempre.

Dois pares de olhos que se misturavam a meia dúzia de palavras insignificantes.
Como pôde o rosto d’Ele roubar temperaturas e gerar falsas tempestades?

(e) Pisa, contratempo, preparou e... Pena que não houve dança.


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